Um dia, numa viagem pela Europa, parei numa avenida larga para perceber para onde olhava uma enorme multidão. Percebi que era um artista de rua que estava a pintar qualquer coisa no chão. Estive algum tempo a observa-lo com grande curiosidade, pois via-o a usar diferentes sprays e a manobra-los freneticamente mas não conseguia perceber o que desenhava. Lembro-me de olhar com muita atenção e lá estavam vários riscos, formas, tons e cores misturadas mas não conseguia obter qualquer tipo de imagem conjunta.
Confesso que, tal como o resto das pessoas, ao fim de uns minutos comecei a ficar impaciente e a não compreender o que nos parava a todos ali. Quando estava prestes a ir embora, e a continuar o meu passeio pela cidade, o rapaz pegou num último spray, manuseou-o com gestos assertivos e parou. Nesse preciso momento pude ver pela primeira vez uma pintura perfeita de uma mulher a segurar um bebé nos braços. A imagem era quase idílica, meia renascentista e estava brilhantemente retratada. No entanto durante uns bons quinze minutos eu não consegui vê-la e duvidei do trabalho daquele rapaz que agora se revelava um artista exímio.
Nunca mais me esqueci deste episódio e tem-me servido de inspiração ao longo da minha vida e no trabalho conjunto que desenvolvo com os meus pacientes. A verdade é que na maioria das vezes, quando estamos extremamente confiantes e focados no percurso que estamos a construir e nos dedicamos inteiramente a construi-lo, as pessoas à nossa volta não conseguem compreender o que estamos a fazer. Umas vezes porque duvidam que tenhamos a capacidade para o levar a cabo, outras porque nos julgam de uma perspectiva que não lhes permite obterem uma leitura conjunta da nossa construção – da mesma forma que eu não compreendi o desenho até estar finalizado.
No entanto quando temos a certeza do nosso caminho e o foco e empenho necessários para o levar a cabo sem nos desviarmos só podemos estar certos. Quando nos deixamos abalar ou corromper pelas opiniões alheias ou dúvidas que os outros têm sobre nós e sobre o nosso caminho é porque não estamos seguros dele. O rapaz que pintava nunca desviou o olhar do seu trabalho. Nem mesmo quando grande parte da multidão céptica desistiu de o observar e se foi embora. Não parou um único momento até o concretizar e também nunca levantou a cabeça pedindo apoio ou validação por parte da sua audiência.
Quando fazemos um caminho que conhecemos profundamente, como é o percurso do trabalho para casa, não pedimos ao GPS que nos ajude, não perguntamos na rua se nos sabem dar direcções nem mesmo aceitamos que alguém que vai connosco no carro opine sobre se existe outra forma alternativa. Estamos seguros e sabemos claramente qual é o percurso e a forma como o vamos fazer. Sem hesitações. Se alguém nos contrariar limitamo-nos a continuar o caminho com a segurança de que estamos certos.
É o que digo sempre aos meus pacientes: difícil não é perdermo-nos no caminho quando o conhecemos. Difícil é encontrar o caminho. Esse é o único desafio que temos porque quando o encontramos não há quem nos pare. Sabemos exactamente que é o certo e não precisamos da aprovação ou compreensão de ninguém. É nosso. E é pessoal e intransmissível.