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No fim ainda disse que queria que Ela deixasse de fumar, que cheirava a cinzeiro.

Sabem o que é o amor? Claro que sabem. Eu também sei. Todos sabemos... Ou pelo menos achamos que sim.

Para mim, supostamente, o amor é um conceito básico. Quando eu digo básico quero dizer simples. É aquilo e mais nada. Tem o lado metafísico de que raramente o conseguirmos definir em palavras mas quando o sentimos sabemos exactamente o que é.

É por isso que para mim, o amor é amor e tem apenas um único significado. Aqui e do outro lado do mapa. O amor é igual em Portugal ou na china. “Pelo menos p´ra mim, o amor é assim”. Ou devia ser...

Tenho uma amiga que não é bem Amiga, é uma amiga quase irmã. Conhecemo-nos no primeiro dia de escola do 6º ano. Lembro-me, como se fosse hoje, da sensação que tive quando A conheci. Era uma Miuda com uma energia diferente. Não sabia bem explicar mas costumava dizer-lhe muitas vezes que Ela “era fora de série”. Admirava-a de uma forma pouco habitual, pelo menos para aquela idade. Tinha uma vitalidade atípica, um sorriso e uma gargalhada contagiantes e uma forma de viver “invejável”. Era feliz. Sem dúvida que era. Era feliz só porque sim. Feliz de uma forma simples e despreocupada e talvez fosse exatamente esse seu jeito despreocupado e seguro de existir, que me fazia querer ser um bocadinho como Ela.

Catalogava o mundo entre desafios e oportunidades. E todos eles eram positivos e cativantes. Vivia e abraçava todos os momentos com essa crença e forma de estar. Essa era a sua maneira de ser. Como tal, quando chegou a idade, resolveu ir para Boston fazer um intercâmbio. Para Boston? Perguntei-lhe eu uma tarde. Sim. Boston. Ia “aproveitar a vida”, como dizia todas as vezes.

Estava feliz e dizia-se completamente realizada. Eu notava-lhe isso. Falávamos milhares vezes no skype para metermos a conversa em dia. No ínicio, conversávamos durante horas e horas, a tal ponto que fiquei com a sensação de que conhecia um bocadinho aquele sitio, aquelas pessoas e a sua vida de lá. Era tão facil gostar-se dela. Tinha uma maneira de ser que conquistava qualquer pessoa e, por isso, tinha sempre tantos amigos em todo o lado. Estava sempre a rir, era o verbo “ir” e estava sempre tudo na maior.

Com o passar do tempo, as nossas conversas passaram a ser um bocadinho ajustadas à sua disponibilidade. Normal. Estava em Boston e cada vez mais tinha mil programas. Ela era assim. Mas falávamos para me contar as novidades todas. Mil e uma saidas à noite, fins de semana fora, trabalhos de grupo, festas da faculdade, pessoas... Confesso que fiquei com o “bichinho” para ir fazer Erasmus.

Num Domingo, não me esqueço deste dia, Ela ligou-me em pulgas! Queria contar-me que tinha conhecido um Português. Chamava-se Pedro, era 5 anos mais velho, e era engenheiro informático numa empresa qualquer toda xpto, não me lembro agora do nome. Tinham-se conhecido numa festa de Erasmus no dia anterior. Embora ele não estivesse em Erasmus, pelos vistos foi também. Acho que é normal. Junta-se imensa gente. Contou-me entusiasmada que simpatizaram um com o outro e que ele a convidou para jantar. Ela aceitou, claro!

Uma semana e tal depois, fez-me um update e ao que parecia a amizade passou rapidamente para o outro lado. Cada vez mais se aproximaram e diz que “se deixou ir”. Nada de estranho. “Aproveitar” é o seu lema de vida, o seu verbo preferido. Fiquei curiosa para conhecer o Pedro. Quer dizer, as nossas conversas passaram a ser SÓ sobre o Pedro e por isso fiquei também com a sensação de que já o conhecia. Parecia o sonho de qualquer mulher. Um homem inteligente, com uma conversa gira, com temas interessantes, super divertido e que a tratava muita bem. Boa onda. O género dela. Relaxado mas também super responsável e um profissional empenhado. Via a cara Dela. Estava radiante. Até dava aquelas gargalhadas no final das frases, mesmo tipicas de quem está apaixonada.

As semanas foram passando e tinha cada vez menos novidades. Volta e meia tinha uma resposta às minhas mensagens mas presumi que fosse bom sinal. Estava divertida!

Um dia Ela ligou-me. A voz não estava assim tão “radiante”. Perguntei-lhe pelo Pedro e respondeu-me que estavam bem. Ótimos! Acrescentou. E sem parecer dar grande importância contou-me que numa das noite anteriores tinham tido uma “pequenina discussão”. Ele teve um ataque de ciumes de um americano qualquer que lhe pediu um isqueiro emprestado numa discoteca. Ela estava intrigada pela discrepância de comportamento. Disse que tinha sido tudo um bocadinho excessivo. Mas rapidamente relativizou. “Estávamos os dois com os copos por isso se calhar também sou eu que estou a fazer filmes”, disse. Tentei puxar outra vez a conversa e de uma forma leviana, explicou-me que o Pedro se tinha irritado, que o empurrou contra a parede e disse para lá umas coisas que ela não percebeu. Depois, que tinha agarrado na mão dela, tirou-lhe o isqueiro e atirou-o com toda a força para o chão.

No fim ainda disse que queria que ela deixasse de fumar, que cheirava a cinzeiro.

Ela contou-me este episódio meio envergonhada, meio a rir, e terminou com a seguinte frase, não me esqueço: “Há males que vêm por bem. É da forma que deixo de fumar”. Isto chocou-me. Fiquei sem saber o que pensar. Acabou por desculpa-lo porque na manhã seguinte recebeu um ramo de flores gigante.

Começamos a ficar cada vez mais distantes e com menos noticias. Passaram-se dias em que não falamos no skype e que nem tempo tinha para me responder aos whatsapps. Muitas vezes davam pendente. Estará desligado? Perguntava-me sempre.

Questionava-me muitas vezes se estaria a ser egoísta e a pensar só em mim e nas saudades que tenho dela. Estaria eu a morrer de tédio na minha vida rotineira e incomodada de alguma forma com o bem estar e a felicidade dela? Afinal de contas estava a não sei quantos kms de distância, divertida, com o namorado perfeito... Tinha mais que fazer do que estar agarrada ao telemóvel a contar-me cada passo que dá... Mas havia um feeling e eu não gostava dele.

Numa terça-feira aleatória, recebi uma mensagem dela às 7 da manhã, note-se que lá eram menos 4 horas. Queria mandar-me um beijinho e dizia que tinha saudades de cá. Não se alongou mais e não respondeu à minha resposta. Voltou a desaparecer. Talvez seja o amor. Talvez esteja só feliz e aluada. Dizem que o amor faz isso. Tomara que assim seja.

Não sou muito dada a redes sociais. Já fui mas fartei-me. Acho que as pessoas se expõem muito e eu não gosto disso. Mas foi a forma que arranjei para tentar ir acompanhando um bocadinho a experiência dela. Instalei o instagram. Fotografias lindas, uma misturada de pessoas diferentes. Os programas parecem divertidos e toda a gente sempre bem disposta. A última fotografia tinha sido postada há mais ou menos um mês e tal, em Fenway Park, o estádio de baseball mais antigo de Boston.

Desde que vi essa fotografia que não paro de pensar sobre isso. Era uma fotografia de grupo. Normal. Mas Ela não aparecia. Não comentei nada mas isso não me saía da cabeça. Perguntei-me se me estaria a tornar obcecada com a vida Dela. O que tinha eu a ver com quem aparecia ou deixava de aparecer...

Mas aquilo não coincidia com Ela. Não era Ela. Certo, seria alguém tirar a fotografia, não interessa quem, - algúem -, e ela aparecer estrondosa na “fila da frente” com aquele emblemático sorriso de instagram, como eu lhe chamava. Sempre na primeira fila. A aproveitar a vida.

Corria o risco de me tornar maçadora mas mandei-lhe uma mensagem privada pelo instagram, não acreditando muito numa resposta. “Então desaparecida!! Que tal? Que gira fotografia!!! Como é que estás? Bora combinar um skype? Tenho miiiiil novidades para te contar!!!!”.

Não tinha nem uma, vou ser sincera. Tinham-se passado pouco mais de quatro meses. O que é que se passa de tão wow em Lisboa em quatro meses?

Imediatamente o meu telemóvel tocou. Estranhei. “Podes fazer skype agora”?

Mal atendi, ouvi um olá meio tremido. Fiquei preocupada. Com um ar natural, perguntei-lhe se estava tudo bem e demorou a responder-me. Como o “sim, ando cansada” não me convenceu, perguntei-lhe pelo Pedro. Respondeu-me que tinha ido a Miami 2 dias em trabalho e que voltava agora à tarde, por isso tinhamos que nos despachar.

O “tinhamos que nos despachar” não me soou bem mas fiquei contente porque era tal e qual isto que precisava para lhe conseguir “arrancar” algumas coisas que me estavam a fazer confusão.

“Conta!!!! Está a ser giro? Estás estoirada porque tens ido sair todas as noites, não? Estás a adorar? E o grupo de Erasmus? Que tal?”

Engoliu em seco. Tentou responder, mas deve ter repensado e mudado de ideias. “Sim, está a ser muito giro”.

Limitei-me a ficar calada e sinto que olhei para Ela com ar de pena, apesar de não ter sido de todo intencional. Pareceu-me ter visto cair uma lágrima mas logo disfarçou.

Estava preparada para abrir o jogo e perguntar-lhe diretamente mas bateram a porta nesse segundo. Que raiva!! Ela mudou imediatamente de postura e completamente aflita disse que tinha que desligar - depois falamos - e simplesmente desligou. Voltou a desaparecer. Talvez seja o amor. Talvez esteja só feliz e aluada. Dizem que o amor faz isso. Tomara que assim seja.

Passaram-se mais umas semanas. Escusado será dizer que nem uma notícia recebi desde aquela conversa. Faltavam poucos dias para os meus anos e agarrei-me a isso. Nesse dia, ela não ia “falhar”, tinha a certeza.

Era meia noite e dei por mim sentada na cama à espera da tipica mensagem do dia 4 de Março. “Parabéns monga. Ligo-te amanhã. Vou ser a primeira, prometo!!”. Mas não chegou nada...

Foi a gota de água. Revoltei-me. Lembro-me dos meus pensamentos gritarem dentro da minha cabeça. A sério que se esqueceu dos meus anos? A sério que são 5 da tarde e nem um sinal seu? A sério que nem neste dia Ela pára um segundo que seja para me mandar uma mensagem no MEU dia de anos?

Respirei fundo e lembro-me de me tentar acalmar com a desculpa que o dia ainda não tinha acabado. “São 5 da tarde, calma! Deve estar distraida, ficou sem bateria. Ou se calhar perdeu o telemóvel...”

O meu telemóvel tocou e estava registado um número desconhecido começado em +44. Atendi com aquela entoação carateristica de quando não sabemos quem está do outro lado. Tô?!? Não ouvi resposta e repeti. Estou?

Ouvi uma voz muito baixinha mas com uma rapidez, que confesso que tive que fazer um esforço para me concentrar. “Sou eu. Muitos parabéns!! Desculpa só ligar agora, estou sem telefone. Não digas nada para este número, please!! Assim que der depois falamos. Beijinhos. Tenhos saudades tuas. Não ligues para aqui” E desligou. Não consegui sequer agradecer-lhe por ter ligado. Voltou a desaparecer. Talvez seja o amor?! Talvez esteja só feliz e aluada?! Dizem que o amor faz isso. Será que faz??

Nos dias seguintes tentei falar com ela, mas o telefone não dava sequer sinal. Liguei aos pais dela, estava a começar a ficar preocupada.

A mãe Dela ficou contente por lhe ter ligado mas pareceu-me ansiosa. Comentou com uma voz triste que A sentia diferente, distante, ausente e nervosa sempre que falavam. Que pouco sabia dela e quando sabia era “às três pancadas” e a despachar mas que não sabia gerir bem as coisas porque gostava que ela se sentisse livre e não queria pressiona-la. Era só um ano. Eram os Erasmus. Era uma experiência única. E mais um conjunto de justificações que me lembraram de mim mesma.

Continuava com o telemovel desligado... A conta do instagram, aperecebi-me uns dias mais tarde que já não existia. Perguntei-me se a teria apagado? Ou se era eu uma naba a ponto de não a conseguir encontrar? Talvez me tivesse bloqueado?

As perguntas assaltavam-me. Será que nos podemos enganar tanto a respeito de uma pessoa ou será que estava a ser exagerada? Não é possivel alguém nos parecer tão certo e afinal de contas, ser totalmente errado. Ou é? Será...?

Será possível o sonho de qualquer mulher se ter transformado no pesadelo de todas as Elas? Dela?

Um dia recebi um email... E isso mudou a minha vida.

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